sábado, 10 de março de 2012

O BOTAFOGO E EU... (por ARMANDO NOGUEIRA)



"Amar um clube é muito mais que amar uma mulher. Ao longo da vida, troquei de namorada, sei lá, mil vezes. E outras mil fui trocado por elas, mas a recíproca não está em jogo, agora. Jamais trocaria o Botafogo, nem por outro clube, nem por nada, neste mundo.

Guardo até hoje, integro, o sentimento do primeiro encontro. Foi no minúsculo estádio de General Severiano, na tarde do dia 10 de setembro de 1944. Tinha eu acabado de chegar de Xapuri, minha terra, e estava embasbacado com a beleza da cidade do Rio de Janeiro.

O jogo era Botafogo e Flamengo.

Meu primo Carlos gosta de assistir em pé, bem no meio da arquibancada; e é aqui que já estamos os dois. O primeiro degrau de cimento fica tão perto do campo que dá até pra ouvir o respirar ofegante dos jogadores. Como eles se xingam! Nunca pensei que fosse assim.

A partida começa. A multidão, dividida ao meio, alterna silêncios e gritos de guerra que me assustam um pouco. Até agora, já se foram 15 minutos de jogo e nada de gol. Meu coração, porém, já dá os primeiros sinais de uma simpatia que não tardará em palpitar dentro do meu peito. Sei que esse time do Flamengo está cheio de craques. Meu primo vai me cantando, um por um: "aquele é o Zizinho - um monstro... aquele outro é o Jaime - joga como um príncipe... esse aéi é o Pirilo".

Do outro lado, só há um craque de fama nacional: é Heleno de Freitas. O resto é de currículo modesto. Mas, todos trazem no peito uma estrela de cinco pontas, radiosa como a luz da tarde ensolarada.

Pois se bem me lembro, foi de vê-la reluzir no peito de Heleno que se deu a revelação. Hoje, mais de meio século depois, eu me pergunto, por mera curiosidade, por que será que não escolhi torcer pelo Flamengo? Afinal, o Flamengo já era o time mais querido do Rio. Dava - pra usar uma expressão mais moderna - dava ibope torcer pelo Flamengo. Tinha acabado de sair bicampeão carioca. Era certeza de alegrias pela frente. E, no entanto, eu preferi trocar o certo pelo duvidoso. Em nome de que idéia? Por que o Botafogo da estrela solitária simbolizada em Heleno e não o Flamengo de Zizinho, de Biguá, de Pirilo - uma soleníssima constelação de craques?

Afinidades eletivas, meus amigos. Coisas do coração. Mistérios da alma. Premonição, talvez, pois, no final do jogo, o Botafogo daria a volta olímpica saudando a sua torcida. Tinha goleado o Flamengo, ganhando de cinco a dois. Heleno marcar dois belos gols, um deles de cabeça. Uma testada bíblica!

Nascia, ali, uma simpatia de mão única, pois o Botafogo nem sabia da minha reles existência. Não sabia, nem precisava saber. O futebol é assim: desperta na pessoa um sentimento virtuoso que transcende a amizade, que vai além do amor e culmina no santo desvario da paixão. Tem de tudo um pouco, porém, é mais que tudo. Torcer por uma camisa é plena entrega. É mais que ser mãe, porque não desdobra fibra por fibra o coração. Destroça-o de uma vez no desespero de uma derrota. Em compensação, remoça-o no delírio de uma vitória.

O Botafogo tem tudo a ver comigo: por fora, é claro-escuro, por dentro é resplendor; o Botafogo é supersticioso, eu também sou. Quantas vezes, vi o roupeiro Aloísio sair dando nós nas cortinas da sede imperial pra amarrar as pernas dos times visitantes, em General Severiano. E eu acreditava piamento nos trunfos do feiticeiro Aloísio. Dava-lhe força pra que os sortilégios do futebol não traíssem o Botafogo.

Houve uma partida em que o Botafogo perdia de um a zero. Carlito Rocha, o grande bruxo da história do clube, me perguntou quanto tempo ainda restava de jogo. Meu relógio estava parado. Começou a esbravejar comigo. Gritava que a desgraça do time estava ali, no meu relógio. Relógio parado dá azar. Arrancou do meu braço a pulseira e jogu fora, com relógio e tudo. Era um reles "patek-cebola". No dia seguinte, Carlito me daria outro, de presente. Igualmente reles, mas, pelo menos, funcionando.

O Botafogo é bem mais que um clube - é uma predestinação celestial. Seu símbolo é uma entidade divina. Feliz da criatura que tem por guia e emblema uma estrela. Por isso é que o Botafogo está sempre no caminho certo. O caminho da luz. Feliz do clube que tem por escudo uma invenção de Deus.

Estrela solitária.

O Botafogo sempre oscilou entre Heleno de Freitas e Garrincha: pássaro de fogo, pássaro de luz; um era glória e tormento, o outro, humor e encantamento. Heleno era impiedoso como a ironia, que fere; Garrincha era límpido e generoso, como o riso, que conforta. Entre os dois jogadores, cujos tempos míticos se somam, e se eternizam, nasceria também para a perpetuidade alvinegra, um craque magistral.

Um dia, consumido de saudades botafoguenses, escrevi um breve poema sobre Nilton Santos. Quanta majestade no trato de uma bola! O moço jamais fez um truque com a bola. Só fazia arte. Nilton não era um jogador de futebol, era uma exclamação. Tu em campo parecias tantos/ E, no entanto - que encanto - eras um só: Nilton Santos.

O torcedor do Botafogo tem um coração repleto de memoráveis cintilações: convivem, na mesma estrela, dribles insondáveis de Garrincha, passes impressentidos de Didi, antevisões de Nilton Santos, cismas de Carlito Rocha e gols, muitos gols, de Heleno de Freitas, cada um mais épico que o outro.

O Botafogo sou eu mesmo, sim senhor! "

[/u][/i](Armando Nogueira, A Ginga e o Jogo, págs 117 -120)

segunda-feira, 5 de março de 2012

Mais um momento efêmero de perfeição para Nadia Comăneci

Ela tinha 14 anos e eu, 12. O ano era 1976. Ela estava em Montreal, Canadá, disputando sua primeira olimpíada. Coração de criança, o meu, colado na TV, empolgado com o clima olímpico. Eu também estava lá de alguma maneira, acompanhando todos os esportes, inclusive este, a ginástica artística, com o qual não tinha qualquer intimidade.

Ela, com uma graça que sequer parecia permitida no esporte, foi a primeira atleta da ginástica a receber nota dez, que representa o reconhecimento de desempenho perfeito. Foi uma coisa muito marcante, notícia no mundo todo. Penso que foi exatamente a mistura de excelência na execução dos movimentos e da coisa de criança, que ela não perdeu durante as apresentações, a inocência, que possibilitaram esta imensa repercussão.

Comăneci, assim, com este acento estranho no nome, de origem romena, tem um currículo invejável: 9 medalhas olímpicas, 4 vezes campeã mundial, 12 vezes campeã europeia, entre outras tantas coisas. Viveu tudo isso em pleno regime comunista, na Romênia, ainda nos tempos da “Cortina de Ferro”, e acabou fugindo e se radicando nos Estados Unidos, onde nunca deixou de militar no mundo da ginástica,

Para minha surpresa e saudade, revejo a moça, agora com 50 anos – vai fazer 51 em novembro – numa entrevista nos canais esportivos de TV a cabo e, para começar a entrevista, o repórter tasca a pergunta que parece mais o canto da sereia: “Como você vê a história de ter sido a atleta perfeita?”. Essa é a hora em que os reis são depostos e que o herói pode escorregar para sempre. Mas Nadia Comăneci mostra que a mestria não a abandonou.

Ela responde dizendo que o conceito de perfeição é muito complexo e, no esporte, o que mais se aproxima disso é o fato de se alcançar, em algum momento, uma marca superior ainda não registrada, mas que daí a alguns segundos ela talvez já seja superada. No esporte, segundo ela, mais cedo ou mais tarde, uma marca será superada. Touché.

O restante da entrevista mostra uma mulher lúcida, entregue até hoje ao seu compromisso com a ginástica, dizendo que aquele momento, há 36 anos, foi o mais marcante da sua vida de atleta, mas que em todas as olimpíadas às quais ela vai – foi a todas desde aquela – vive emoções fortes, e está ansiosa para chegar a Londres este ano, e ao Brasil, em 2016. Perfeita, mais uma vez, por um instante que seja.

terça-feira, 11 de outubro de 2011

Você tem que encontrar o que você ama *Transcrição completa do maravilhoso discurso de Steve Jobs na Universidade de Stanford, em 2005

Estou honrado de estar aqui, na formatura de uma das melhores universidades do mundo. Eu nunca me formei na universidade. Que a verdade seja dita, isso é o mais perto que eu já cheguei de uma cerimônia de formatura. Hoje, eu gostaria de contar a vocês três histórias da minha vida. E é isso. Nada demais. Apenas três histórias.

A primeira história é sobre ligar os pontos.

Eu abandonei o Reed College depois de seis meses, mas fiquei enrolando por mais 18 meses antes de realmente abandonar a escola. E por que eu a abandonei? Tudo começou antes de eu nascer. Minha mãe biológica era uma jovem universitária solteira que decidiu me dar para a adoção. Ela queria muito que eu fosse adotado por pessoas com curso superior. Tudo estava armado para que eu fosse adotado no nascimento por um advogado e sua esposa. Mas, quando eu apareci, eles decidiram que queriam mesmo uma menina.

Então meus pais, que estavam em uma lista de espera, receberam uma ligação no meio da noite com uma pergunta: “Apareceu um garoto. Vocês o querem?” Eles disseram: “É claro.”

Minha mãe biológica descobriu mais tarde que a minha mãe nunca tinha se formado na faculdade e que o meu pai nunca tinha completado o ensino médio. Ela se recusou a assinar os papéis da adoção. Ela só aceitou meses mais tarde quando os meus pais prometeram que algum dia eu iria para a faculdade. E, 17 anos mais tarde, eu fui para a faculdade. Mas, inocentemente escolhi uma faculdade que era quase tão cara quanto Stanford. E todas as economias dos meus pais, que eram da classe trabalhadora, estavam sendo usados para pagar as mensalidades. Depois de seis meses, eu não podia ver valor naquilo.

Eu não tinha idéia do que queria fazer na minha vida e menos idéia ainda de como a universidade poderia me ajudar naquela escolha. E lá estava eu, gastando todo o dinheiro que meus pais tinham juntado durante toda a vida. E então decidi largar e acreditar que tudo ficaria ok.

Foi muito assustador naquela época, mas olhando para trás foi uma das melhores decisões que já fiz. No minuto em que larguei, eu pude parar de assistir às matérias obrigatórias que não me interessavam e comecei a frequentar aquelas que pareciam interessantes. Não foi tudo assim romântico. Eu não tinha um quarto no dormitório e por isso eu dormia no chão do quarto de amigos. Eu recolhia garrafas de Coca-Cola para ganhar 5 centavos, com os quais eu comprava comida. Eu andava 11 quilômetros pela cidade todo domingo à noite para ter uma boa refeição no templo hare-krishna. Eu amava aquilo.

Muito do que descobri naquela época, guiado pela minha curiosidade e intuição, mostrou-se mais tarde ser de uma importância sem preço. Vou dar um exemplo: o Reed College oferecia naquela época a melhor formação de caligrafia do país. Em todo o campus, cada poster e cada etiqueta de gaveta eram escritas com uma bela letra de mão. Como eu tinha largado o curso e não precisava frequentar as aulas normais, decidi assistir as aulas de caligrafia. Aprendi sobre fontes com serifa e sem serifa, sobre variar a quantidade de espaço entre diferentes combinações de letras, sobre o que torna uma tipografia boa. Aquilo era bonito, histórico e artisticamente sutil de uma maneira que a ciência não pode entender. E eu achei aquilo tudo fascinante.

Nada daquilo tinha qualquer aplicação prática para a minha vida. Mas 10 anos mais tarde, quando estávamos criando o primeiro computador Macintosh, tudo voltou. E nós colocamos tudo aquilo no Mac. Foi o primeiro computador com tipografia bonita. Se eu nunca tivesse deixado aquele curso na faculdade, o Mac nunca teria tido as fontes múltiplas ou proporcionalmente espaçadas. E considerando que o Windows simplesmente copiou o Mac, é bem provável que nenhum computador as tivesse.

Se eu nunca tivesse largado o curso, nunca teria frequentado essas aulas de caligrafia e os computadores poderiam não ter a maravilhosa caligrafia que eles têm. É claro que era impossível conectar esses fatos olhando para frente quando eu estava na faculdade. Mas aquilo ficou muito, muito claro olhando para trás 10 anos depois.

De novo, você não consegue conectar os fatos olhando para frente. Você só os conecta quando olha para trás. Então tem que acreditar que, de alguma forma, eles vão se conectar no futuro. Você tem que acreditar em alguma coisa – sua garra, destino, vida, karma ou o que quer que seja. Essa maneira de encarar a vida nunca me decepcionou e tem feito toda a diferença para mim.

Minha segunda história é sobre amor e perda.

Eu tive sorte porque descobri bem cedo o que queria fazer na minha vida. Woz e eu começamos a Apple na garagem dos meus pais quando eu tinha 20 anos. Trabalhamos duro e, em 10 anos, a Apple se transformou em uma empresa de 2 bilhões de dólares e mais de 4 mil empregados. Um ano antes, tínhamos acabado de lançar nossa maior criação — o Macintosh — e eu tinha 30 anos.

E aí fui demitido. Como é possível ser demitido da empresa que você criou? Bem, quando a Apple cresceu, contratamos alguém para dirigir a companhia. No primeiro ano, tudo deu certo, mas com o tempo nossas visões de futuro começaram a divergir. Quando isso aconteceu, o conselho de diretores ficou do lado dele. O que tinha sido o foco de toda a minha vida adulta tinha ido embora e isso foi devastador. Fiquei sem saber o que fazer por alguns meses.

Senti que tinha decepcionado a geração anterior de empreendedores. Que tinha deixado cair o bastão no momento em que ele estava sendo passado para mim. Eu encontrei David Peckard e Bob Noyce e tentei me desculpar por ter estragado tudo daquela maneira. Foi um fracasso público e eu até mesmo pensei em deixar o Vale [do Silício].

Mas, lentamente, eu comecei a me dar conta de que eu ainda amava o que fazia. Foi quando decidi começar de novo. Não enxerguei isso na época, mas ser demitido da Apple foi a melhor coisa que podia ter acontecido para mim. O peso de ser bem sucedido foi substituído pela leveza de ser de novo um iniciante, com menos certezas sobre tudo. Isso me deu liberdade para começar um dos períodos mais criativos da minha vida. Durante os cinco anos seguintes, criei uma companhia chamada NeXT, outra companhia chamada Pixar e me apaixonei por uma mulher maravilhosa que se tornou minha esposa.

A Pixar fez o primeiro filme animado por computador, Toy Story, e é o estúdio de animação mais bem sucedido do mundo. Em uma inacreditável guinada de eventos, a Apple comprou a NeXT, eu voltei para a empresa e a tecnologia que desenvolvemos nela está no coração do atual renascimento da Apple.

E Lorene e eu temos uma família maravilhosa. Tenho certeza de que nada disso teria acontecido se eu não tivesse sido demitido da Apple.

Foi um remédio horrível, mas eu entendo que o paciente precisava. Às vezes, a vida bate com um tijolo na sua cabeça. Não perca a fé. Estou convencido de que a única coisa que me permitiu seguir adiante foi o meu amor pelo que fazia. Você tem que descobrir o que você ama. Isso é verdadeiro tanto para o seu trabalho quanto para com as pessoas que você ama.

Seu trabalho vai preencher uma parte grande da sua vida, e a única maneira de ficar realmente satisfeito é fazer o que você acredita ser um ótimo trabalho. E a única maneira de fazer um excelente trabalho é amar o que você faz.

Se você ainda não encontrou o que é, continue procurando. Não sossegue. Assim como todos os assuntos do coração, você saberá quando encontrar. E, como em qualquer grande relacionamento, só fica melhor e melhor à medida que os anos passam. Então continue procurando até você achar. Não sossegue.

Minha terceira história é sobre morte.

Quando eu tinha 17 anos, li uma frase que era algo assim: “Se você viver cada dia como se fosse o último, um dia ele realmente será o último.” Aquilo me impressionou, e desde então, nos últimos 33 anos, eu olho para mim mesmo no espelho toda manhã e pergunto: “Se hoje fosse o meu último dia, eu gostaria de fazer o que farei hoje?” E se a resposta é “não” por muitos dias seguidos, sei que preciso mudar alguma coisa.

Lembrar que estarei morto em breve é a ferramenta mais importante que já encontrei para me ajudar a tomar grandes decisões. Porque quase tudo — expectativas externas, orgulho, medo de passar vergonha ou falhar — caem diante da morte, deixando apenas o que é apenas importante. Não há razão para não seguir o seu coração.

Lembrar que você vai morrer é a melhor maneira que eu conheço para evitar a armadilha de pensar que você tem algo a perder. Você já está nu. Não há razão para não seguir seu coração.

Há um ano, eu fui diagnosticado com câncer. Era 7h30 da manhã e eu tinha uma imagem que mostrava claramente um tumor no pâncreas. Eu nem sabia o que era um pâncreas.

Os médicos me disseram que aquilo era certamente um tipo de câncer incurável, e que eu não deveria esperar viver mais de três a seis semanas. Meu médico me aconselhou a ir para casa e arrumar minhas coisas — que é o código dos médicos para “preparar para morrer”. Significa tentar dizer às suas crianças em alguns meses tudo aquilo que você pensou ter os próximos 10 anos para dizer. Significa dizer seu adeus.

Eu vivi com aquele diagnóstico o dia inteiro. Depois, à tarde, eu fiz uma biópsia, em que eles enfiaram um endoscópio pela minha garganta abaixo, através do meu estômago e pelos intestinos. Colocaram uma agulha no meu pâncreas e tiraram algumas células do tumor. Eu estava sedado, mas minha mulher, que estava lá, contou que quando os médicos viram as células em um microscópio, começaram a chorar. Era uma forma muito rara de câncer pancreático que podia ser curada com cirurgia. Eu operei e estou bem.

Isso foi o mais perto que eu estive de encarar a morte e eu espero que seja o mais perto que vou ficar pelas próximas décadas. Tendo passado por isso, posso agora dizer a vocês, com um pouco mais de certeza do que quando a morte era um conceito apenas abstrato: ninguém quer morrer. Até mesmo as pessoas que querem ir para o céu não querem morrer para chegar lá.

Ainda assim, a morte é o destino que todos nós compartilhamos. Ninguém nunca conseguiu escapar. E assim é como deve ser, porque a morte é muito provavelmente a principal invenção da vida. É o agente de mudança da vida. Ela limpa o velho para abrir caminho para o novo. Nesse momento, o novo é você. Mas algum dia, não muito distante, você gradualmente se tornará um velho e será varrido. Desculpa ser tão dramático, mas isso é a verdade.

O seu tempo é limitado, então não o gaste vivendo a vida de um outro alguém.

Não fique preso pelos dogmas, que é viver com os resultados da vida de outras pessoas.

Não deixe que o barulho da opinião dos outros cale a sua própria voz interior.

E o mais importante: tenha coragem de seguir o seu próprio coração e a sua intuição. Eles de alguma maneira já sabem o que você realmente quer se tornar. Todo o resto é secundário.

Quando eu era pequeno, uma das bíblias da minha geração era o Whole Earth Catalog. Foi criado por um sujeito chamado Stewart Brand em Menlo Park, não muito longe daqui. Ele o trouxe à vida com seu toque poético. Isso foi no final dos anos 60, antes dos computadores e dos programas de paginação. Então tudo era feito com máquinas de escrever, tesouras e câmeras Polaroid.

Era como o Google em forma de livro, 35 anos antes de o Google aparecer. Era idealista e cheio de boas ferramentas e noções. Stewart e sua equipe publicaram várias edições de Whole Earth Catalog e, quando ele já tinha cumprido sua missão, eles lançaram uma edição final. Isso foi em meados de 70 e eu tinha a idade de vocês.

Na contracapa havia uma fotografia de uma estrada de interior ensolarada, daquele tipo onde você poderia se achar pedindo carona se fosse aventureiro. Abaixo, estavam as palavras:

“Continue com fome, continue bobo.”

Foi a mensagem de despedida deles. Continue com fome. Continue bobo. E eu sempre desejei isso para mim mesmo. E agora, quando vocês se formam e começam de novo, eu desejo isso para vocês. Continuem com fome. Continuem bobos.

Obrigado.

terça-feira, 4 de outubro de 2011

Propaganda política e a Escola dos Urubus

O mundo contemporâneo se tornou um ambiente onde a autoria perdeu o seu valor e fazer benfeito se tornou uma virtude ausente. O mundo da propaganda política e eleitoral é um lugar assim. O marketing político hoje está envolvido numa “fábrica de fakes”. Estamos no tempo do marqueteiro, em que a pessoa ajuda o seu vizinho a fazer uns cartazes de vereador e pronto, já está lá, é marqueteiro, cheio de certezas e nenhum saber acumulado.

Os exemplos são muitos. Tem profissional da pesquisa que muitas vezes sendo o pesquisador da campanha é também o diretor de propaganda. Nesses casos, a pergunta é simples: o pesquisador serve para apontar ou para encobrir os erros e falhas da propaganda eleitoral? Quem viveu essa situação de perto, acha que muita coisa foi pra baixo do tapete.

Tem também o diretor de fotografia: aquele que escolhe a melhor luz, o melhor ângulo, e também descobriu que dá ibope o título de marqueteiro e coloca no currículo sua participação, na realização de campanhas, como diretor de estratégia e definidor de conteúdo. Por isso são comuns programas muito plásticos, sem objetividade estratégica. Sem foco.

Pelo Brasil inteiro muita gente apareceu com diploma de especialista, com curso de 3 dias do  Carlos Manhanelli, em São Paulo, que criou para ele uma entidade dos profissionais de marketing,  e um instituto, tocado por ele, por sua mulher, que é secretária, e pelo filho, que virou instrutor de pesquisa. Todo ano lá vem o mesmo cursinho, anunciado agora pela internet, exibindo exemplos das campanhas de Jânio Quadros enfrentando Fernando Henrique Cardoso... Campanhas de algumas décadas atrás. Há alguns anos fui lá fazer o tal curso, buscar conhecimento, e digo: passem longe desse curso, que não vai levar vocês a lugar nenhum.

E os  administradores? Gestores que se envolveram na organização financeira de campanhas e a partir daí se tornaram donos de agências ou produtoras, aprenderam que poderiam ser o agente pagador, função original deles, e também o prestador de serviço, o marqueteiro, o idealizador de programas eleitorais. A mesma fonte que arrecada e paga é a que presta o serviço e recebe o pagamento. Genial. Seria muito de minha parte exigir que além de ganhar dinheiro soubessem fazer o tal marketing político. Em Goiás, tem gente com esse perfil que realiza campanhas para candidatos diferentes na mesma cidade. Aconteceu em 2008, em duas grandes cidades goianas. Não sei se os clientes sabiam disso.

Via de regra o que tenho visto é isso: não sabem usar os instrumentos que têm em mãos e suas várias linguagens para construir a retórica da campanha, não sabem articular o mesmo conceito em formas diferentes fazendo uma frequ6encia criativa, não conhecem o valor desta frequência, não sabem o melhor jeito de usar as inserções de propaganda, tanto na rotina quanto na época de eleições. Também não conhecem o poder da música e vivem na tecla de sempre dos jingles-clichês, ou então copiam estratégias de modelos musicais recentes: o modelo Obama é o mais copiado dos últimos anos. Não conseguem identificar os movimentos do comportamento dos eleitores, suas ondas,  e nem têm capacidade intuitiva, porque não acumularam experiências eleitorais.

Muitas vezes nem leem os relatórios de pesquisa. Aqui, em Goiás, uma pesquisadora, ao ver seguidamente suas sugestões retiradas da análise dos grupos de qualitativas não serem levadas em conta, fez um teste: colocou pedaços de diálogos de histórias em quadrinhos no meio de seus relatórios. Não houve qualquer reclamação.

Tudo me lembra uma estória do Rubem Alves sobre a Escola dos Urubus, escrita para criticar a educação burocrática e sem capacidade criativa. Os urubus resolveram criar uma escola de canto na floresta e decidiram que quem não tivesse diploma da escola deles não podia cantar – qualquer pássaro que cantasse mais bonito que um urubu, o que talvez aconteça com todas as espécies, não poderia fazê-lo, a não ser que tivesse o diploma. A autoria não tinha valor. Um urubu poderia cantar a porcaria que fosse tendo posse do diploma.

Pra encerrar, então, digo só mais isto: quem contrata a turma da Escola dos Urubus já dá uma demonstração de que não está preparado para estar na gestão pública.

segunda-feira, 22 de agosto de 2011

122 anos de Cora Coralina



Sábado, 20 de agosto de 2011,  seria aniversário de 122 anos de Cora. Melhor seria dizer: foi aniversário de Cora, dado que sua presença,  em produção e criação, ficou, para o refresco da alma. Presto aqui minha homenagem, faço meus agradecimentos pela oportunidade de conhecer alguns de seus versos. E registro um fragmento de Cântico Excelso, que retiro da pérola/livro que ela  chamou de  Vintém de Cobre ( de onde mais poderia sair um nome deste senão dos becos de Villa Boa de Goyaz ?).
Porque Cântico Excelso? Porque aqui ela faz um reconhecimento ao Mestre. Para algúem como eu, que reconhece (e isso aprendi com meu Mestre) que o humano não se faz sozinho,  que o filhote de humano só vira filho por transmissão, que vai além do DNA, por transmissão de um DNA Outro, por transmissão, através da linguagem, de um novo mundo, o Simbólico.
Para alguém se transformar em gente é preciso aprender com outro alguém. Dai a riqueza de cada um estar ligada ao lugar do Mestre.  E Cora sabe disso:  
“…Revivo a velha escola e agradeço, alma de joelhos, o que esta escola me deu,  o que dela recebi.  A ela ofereço meus livros e noites festivas, meu nome literário.
Foi  pela didática paciente da velha mestra que Aninha, a menina boba da casa, obtusa,  do banco das mais atrasadas se desencantou em Cora Coralina.
Lugar de honra para minha mestra e para todas as esquecidas  Mestras do passado. Mestra Silvina – beijo suas mãos cansadas, suas vestes remendadas.”

terça-feira, 9 de agosto de 2011

A NOVA GOIÂNIA MERECE O NOVO MUTIRAMA


A modernização e a ampliação do tradicional Parque Mutirama é uma revolução do entretenimento, do esporte e do lazer em Goiânia, o que dá continuidade à ideia original que levou à construção do Parque, quando de sua criação. É uma ação que visa aproveitar uma oportunidade e não perder o apoio federal para este passo.
Não é verdade que a Prefeitura está comprando equipamentos usados com preço de novos para o Mutirama. Mas é verdade que, com a renovação do parque, a Prefeitura o transforma num atrativo turístico que coloca Goiânia definitivamente no circuito do turismo regional, o que significa mais recursos, exatamente como estes que estão chegando agora, de R$ 56 milhões, para reestruturação do parque, e que exigiam como contrapartida da Prefeitura o investimento nos brinquedos.
Dentro de seus recursos disponíveis, aproximadamente R$ 30 milhões, a Prefeitura deu um passo largo, está comprando equipamentos,  reformando outros, e comprando ainda usados restaurados, com exigência de laudo de segurança, e garantia, além disso o preço inclui a instalação dos equipamentos, e o treinamento dos operadores.
Depois a Prefeitura poderá continuar ampliando as possibilidades do Mutirama, que será o maior parque público de diversões e apropriado ao turismo do Brasil. Então, a Prefeitura de Goiânia não tinha escolha: ou fazia o seu projeto com os recursos disponíveis, mas garantindo no edital um controle de qualidade, com várias salvaguardas, ou perdia recursos.
Os contratos referentes aos equipamentos do Mutirama estão sob análise do Tribunal de Contas, que é a instituição própria para exercer o controle técnico-jurídico do processo. Há uma nítida intenção de provocar uma discussão política, usando preços colhidos na internet e no exterior, mas os valores apresentados assim são irreais, mesmo quando verdadeiros: não trazem o custo do imposto de importação, não trazem o custo de implantação – como tem os equipamentos que estão sendo adquiridos aqui-, e não trazem a descrição técnica – brinquedos do mesmo tamanho podem ter componentes mais ou menos seguros e duráveis.
Alem disso a prefeitura não tem dinheiro em mãos para ir lá fora comprar.  Ela faz licitação e se uma empresa do mercado não oferecer este produto para a prefeitura, ele não vai ser adquirido, porque a licitação é a única forma. Pelos caminhos confiáveis um trenzinho novo igualzinho ao nosso custa, aqui, sem ser instalado, R$ 1,3 milhão. A reformulação do nosso, com novos temas e conceitos custará R$ 305 mil.
A Montanha-russa superjet, com 320 metros, que não é fabricada no Brasil, foi adquirida e  está sendo reformada por R$ 2,6 milhões. A única adquirida no Brasil nos últimos anos, com partes em madeira, do Hopi Hari, maior parque do Brasil,  de 1.030 metros, custou R$ 12 milhões. Há, no mundo, (basta procurar na internet) montanhas-russas, rodas-gigantes e outros brinquedos com 80, 90, e até 110 anos de uso, na Austrália, Hungria, Dinamarca, Inglaterra, em várias partes dos EUA… Enfim, é uma prática normal, em se tratando de equipamentos tão caros.
O melhor de tudo é que o Mutirama passará por uma revolução sem perder o seu caráter de parque popular, aberto ao povo, às famílias, com opções para todas as idades, com brinquedos gratuitos ao lado dos pagos, que não terão preços absurdos, e ainda há aspectos educativos: o trenzinho, lembrando a história de Goiás, o autorama, trazendo uma pequena representação do mundo... a acessibilidade será total e haverá  espaço para as ciências. Haverá também a integração das artes do parque.
Vem aí um novo Mutirama, que é parte de uma nova Goiânia, que está sendo consolidada. Um modelo de cidade generosa com o seu cidadão, que lhe oferece espaços no centro e na periferia, para o encontro da família, dos amigos, dos namorados, para o lazer das crianças. Com a ampliação, vamos ter um canto de natureza e entretenimento para oferecer também aos nossos visitantes. Que  seja abençoado este  Novo Mutirama, porque ele é de todos nós.

domingo, 7 de agosto de 2011

Eu fui às touradas de Madri !!!!!

Era domingo de San Isidro, em  Madri, cidade bela com sua juventude  a todo instante nas ruas. Um cidade com os ares de festa.  Talvez porque fosse mesmo a semana da festa do padroeiro. Estamos na  Praça  de  Touros de Las Ventas,  como um palácio aberto ao público. Era uma tarde de início de verão,  de bom sol, mas muito vento, um certo frio, e senhores e senhoras de todas as idades, muitos já alem dos sessenta ou setenta, formando casais, com  almofadas especiais nas mãos – típicas de quem vem sempre às touradas. Gente bem vestida, com uma certa nobreza.

A chegada do presidente da  tourada é saudada pelos presentes.  Logo uma solenidade registra a entrada dos toureiros e suas trupes: cada toureiro enfrenta dois touros na tarde/noite. Nas tardes de San Isidro, em Madri, entram na arena 6 touros.  Há toureadores que não enfrentarão os animais, mas apenas vão ajudar a distraí-lo e cansá-lo. Eles aqui aparecem com capas rosa escuro, enquanto os toureiros virão sempre com uma capa vermelha, e em roupas com detalhes dourados incomparáveis.

Participam da cena  os cavaleiros –  seus  cavalos têm imensas proteções, vermelho-alaranjadas- , que são os picadores: com longas lanças eles fustigam o touro sempre num único lugar e vão ajudando a minar a besta  e a medir sua “competência“ para a batalha.  E também os “banderilleros” que Irão cravar três  pares de “banderillas” – como um tipo de bandeirinha com o mastro mais grosso e pontas afiadas – no animal , tudo para ir provocando e enfraquecendo o animal.

O touro mais presente nestas corridas é o Miúra, que se tornou uma mistura de raças de touros bravos da Andaluzia feita por Dom Eduardo Miura, mais ou menos na  metade do século XIX.  É a raça que mais já matou toureiros e que até já chegou a provocar uma greve de toureiros, que não queriam mais os Miúra na arena.  Alem da seleção genética, estes animais são especialmente criados para manter o seu estado natural de animais selvagens, inclusive evitando-se ao máximo o contato com  os humanos. São mesmo feras. Bestas. E isso dá para ver quando entram na arena.  Dá para ver também quando investem alucinadamente contra os cavalos com suas imensas proteções  vermelho-alaranjadas. O touro ergue o cavalo com os chifres, mas não consegue feri-lo, enquanto recebe de volta estocadas com as lanças dos  picadores.

Tudo se parece com um espetáculo clássico do teatro, talvez um ópera: tem uma fidalguia  em tudo. Há os lenços brancos: é com ele que o público conversa com o presidente da tourada, pedindo a troca do touro que demonstra fraqueza, exigindo que se pare de fustigar um animal quando há exagero e até pedindo pela vida do touro, quando ele demonstra bravura.

Posso dizer: eu fui as touradas de Madri, lembrando a música de Braguinha e Alberto Ribeiro. Numa tarde onde os touros estiverem meio lentos, logo na  minha estréia, e os toureiros burocráticos, inclusive  Morante de La Puebla, ídolo, grande toureiro segundo os espanhóis.  Parecia que assim seria.

Pois foi na última peleja que vi algo,  que nunca mais esquecerei: o touro as uns 15 a 20 metros do toureiro, provocado, embala. Dizem que nos primeiros 25 metros a arrancada é veloz como a de um cavalo.  Quando, com seus 540 quilos,  o animal estava próximo do toureiro, o jovem mexicano Arturo Saldivar, ousadamente, move a sua capa, da lateral esquerda do seu corpo para a lateral direita. O touro investe é contra a capa, não contra o toureiro.  Este movimento, quando o touro já está muito próximo, faz com que o animal tenha que mudar de direção abruptamente, indo rumo à capa, n outra lateral. Como Romário no chute de Branco, que na copa de 1994 resultou em gol do Brasil contra a Holanda,  Saldivar mantém a capa na posição, mas vira o corpo, e faz dele uma curva só, um arco, tirando-o do caminho do touro, em velocidade.  Simplesmente sensacional.  Uma dança, um drible.

O que fez a beleza da tourada não foi a agressividade do touro, mas a do toureiro, sua ousadia. Sua habilidade foi tão  marcante quanto a  de Romário na copa do mundo, mas, entre eles, uma diferença fundamental: para o mexicano Arturo Saldivar, errar  seria morrer.