terça-feira, 4 de outubro de 2011

Propaganda política e a Escola dos Urubus

O mundo contemporâneo se tornou um ambiente onde a autoria perdeu o seu valor e fazer benfeito se tornou uma virtude ausente. O mundo da propaganda política e eleitoral é um lugar assim. O marketing político hoje está envolvido numa “fábrica de fakes”. Estamos no tempo do marqueteiro, em que a pessoa ajuda o seu vizinho a fazer uns cartazes de vereador e pronto, já está lá, é marqueteiro, cheio de certezas e nenhum saber acumulado.

Os exemplos são muitos. Tem profissional da pesquisa que muitas vezes sendo o pesquisador da campanha é também o diretor de propaganda. Nesses casos, a pergunta é simples: o pesquisador serve para apontar ou para encobrir os erros e falhas da propaganda eleitoral? Quem viveu essa situação de perto, acha que muita coisa foi pra baixo do tapete.

Tem também o diretor de fotografia: aquele que escolhe a melhor luz, o melhor ângulo, e também descobriu que dá ibope o título de marqueteiro e coloca no currículo sua participação, na realização de campanhas, como diretor de estratégia e definidor de conteúdo. Por isso são comuns programas muito plásticos, sem objetividade estratégica. Sem foco.

Pelo Brasil inteiro muita gente apareceu com diploma de especialista, com curso de 3 dias do  Carlos Manhanelli, em São Paulo, que criou para ele uma entidade dos profissionais de marketing,  e um instituto, tocado por ele, por sua mulher, que é secretária, e pelo filho, que virou instrutor de pesquisa. Todo ano lá vem o mesmo cursinho, anunciado agora pela internet, exibindo exemplos das campanhas de Jânio Quadros enfrentando Fernando Henrique Cardoso... Campanhas de algumas décadas atrás. Há alguns anos fui lá fazer o tal curso, buscar conhecimento, e digo: passem longe desse curso, que não vai levar vocês a lugar nenhum.

E os  administradores? Gestores que se envolveram na organização financeira de campanhas e a partir daí se tornaram donos de agências ou produtoras, aprenderam que poderiam ser o agente pagador, função original deles, e também o prestador de serviço, o marqueteiro, o idealizador de programas eleitorais. A mesma fonte que arrecada e paga é a que presta o serviço e recebe o pagamento. Genial. Seria muito de minha parte exigir que além de ganhar dinheiro soubessem fazer o tal marketing político. Em Goiás, tem gente com esse perfil que realiza campanhas para candidatos diferentes na mesma cidade. Aconteceu em 2008, em duas grandes cidades goianas. Não sei se os clientes sabiam disso.

Via de regra o que tenho visto é isso: não sabem usar os instrumentos que têm em mãos e suas várias linguagens para construir a retórica da campanha, não sabem articular o mesmo conceito em formas diferentes fazendo uma frequ6encia criativa, não conhecem o valor desta frequência, não sabem o melhor jeito de usar as inserções de propaganda, tanto na rotina quanto na época de eleições. Também não conhecem o poder da música e vivem na tecla de sempre dos jingles-clichês, ou então copiam estratégias de modelos musicais recentes: o modelo Obama é o mais copiado dos últimos anos. Não conseguem identificar os movimentos do comportamento dos eleitores, suas ondas,  e nem têm capacidade intuitiva, porque não acumularam experiências eleitorais.

Muitas vezes nem leem os relatórios de pesquisa. Aqui, em Goiás, uma pesquisadora, ao ver seguidamente suas sugestões retiradas da análise dos grupos de qualitativas não serem levadas em conta, fez um teste: colocou pedaços de diálogos de histórias em quadrinhos no meio de seus relatórios. Não houve qualquer reclamação.

Tudo me lembra uma estória do Rubem Alves sobre a Escola dos Urubus, escrita para criticar a educação burocrática e sem capacidade criativa. Os urubus resolveram criar uma escola de canto na floresta e decidiram que quem não tivesse diploma da escola deles não podia cantar – qualquer pássaro que cantasse mais bonito que um urubu, o que talvez aconteça com todas as espécies, não poderia fazê-lo, a não ser que tivesse o diploma. A autoria não tinha valor. Um urubu poderia cantar a porcaria que fosse tendo posse do diploma.

Pra encerrar, então, digo só mais isto: quem contrata a turma da Escola dos Urubus já dá uma demonstração de que não está preparado para estar na gestão pública.

4 comentários:

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  2. Gostei da análise, Paulo.

    No próximo ano é ainda mais fácil vivenciar essa história.
    De todas as partes, profissões, idades e escolas.
    Todo mundo marqueteiro!

    Abraço!

    Djan Hennemann

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  3. Este comentário foi removido pelo autor.

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  4. Muito lúcido e coerente o artigo. Tenho percebido isso constantemente nas campanhas que participo. Está tudo muito pasteurizado. Na última campanha para prefeito, estive participando, como redator, em Maués, interior do Amazonas. Três dos quatro candidatos estavam utilizando um mesmo jingle, copiado de alguma cidade nordestina. Um jinglezinho fácil, simples, mas extremamente batido. Outro caso interessante: fazendo a campanha para prefeito de Ipatinga (MG), estávamos na mesma sala eu (fazendo a parte de rádio), outro redator com os programas de TV e o dono da agência que havia nos contratado. Esse último estava preparando o texto do primeiro programa de TV do nosso candidato. Passado aquele dia, já à noitinha, empolgado, ele diz para nós dois que já tinha o texto fechado. Ficamos felizes pela alegria dele, que nos chamou em volta do computador dele para ver/ouvir o texto. E antes de começar a nos mostrar, explicou: esse texto é o da campanha da Marta Suplicy à prefeitura de São Paulo. Só tirei o nome dela e substituí pelo do nosso candidato. Ficou perfeito, terminou ele, para o meu desencanto. E ele era o dono da agência responsável pela campanha. Se é assim que os "marketeiros" estão agindo viva o control c e control v. E danem-se os candidatos e suas diferenças.

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