sábado, 2 de outubro de 2010

Museo chileno de Arte Precolombino

 



Paulo Faria



Se você for a Santigo, no Chile, não deixe de visitar este Museu, que conta um pouco da História de mais de 10 mil anos de produção artística e cultural no continente americano. E há coisas imperdíveis produzidas por sociedades preparadas com níveis refinados de engenharia e estética.

        
         Imagine que talvez pudesse existir um out-door ou vários, nas entradas dos palácios Maya, entre os anos 300 a 900 DC,  como peças de dominação ideológica, para propagação do  status-quo da época. Você leitor pode até não ser capaz de produzir esta imagem, mas ela existe.  A Estela, uma peça produzida em pedra bruta, na cultura Maya,  é um elemento de linguagem  publicitária interessantíssimo: uma placa de pedra, de tamanho variável mas sempre grande o bastante para dar boa visibilidade ( aqui no Museu Precolobino podemos ver bem de pertinho uma delas, de aproximadamente  2 m x 1m ) e propagar a mensagem.
         Mas qual mensagem se queria divulgar ?  Os templos e palácios Maya eram decorados com esculturas, pinturas, e figuras de pedras e madeira , como a própria Estela, que operavam como um meio de reforçar a divisão de classes daquela sociedade. Isso era necessário, um aparato ideológico de reprodução das relações de classe porque a aristocracia Maya era consideravelmente minoritária.  No Palácio de Uaxactun,  por exemplo, cujo domínio se estendia sobre uma população de aproximadamente 9 mil habitantes, calculava-se que apenas 185 habitantes, incluindo crianças, compunham a Aristocracia, 2% de todo o agrupamento local.
         Uma Estela então trazia a representação das castas e líderes com detalhes , braceletes, colares, tecidos finos, objetos de luxo e adorno, tudo retratado na pedra, enquanto as imagens de pessoas do povo eram reproduzidas exatamente com a ausência destes adornos, com a redução do próprio tamanho da imagem humana dos não aristocratas em relação a personagens das camadas privilegiadas entre o povo Maya. A reprodução em pedra indicava a posição social  de cada um e a relação social que deveria permanecer sem alterações.  Uma engenhosidade publicitária sem perder nada para as peças de retórica da pós-modernidade. As Estelas exaltavam as ações dos senhores em locais públicos e lhes aumentavam o prestígio.

BRASIL DE FORA:       São Coisas, como o significado das Estelas, que se pode aprender numa pequena volta pelo Museu Chileno de Arte Precolombino. Chegando pelo metrô, o visitante deve descer na Estação da Universidade do Chile e caminhar até a “Plaza de Armas”, onde pode ainda visitar a Catedral de Santiago, aí é só seguir pela rua “Compañia” e na esquina seguinte estará no Museu.  Alí se pode conhecer  detalhes de povos de toda a América, menos dos que existiam neste período a norte do México e na região ocupada hoje pelo Brasil. Estranha exceção, pelo menos para mim. Estamos fora do olhar que o Museu produz para a América Precolombina. Talvez porque houvesse pouco a registrar, ou talvez seja vingança mesmo, inconsciente, pela tentativa de construir uma história independente, com uma descoberta ( a de Cabral) forçadamente independente .
 No Museu podemos encontrar peças não só dos Mayas e Aztecas, mas de vários outros povos os Incas, os Taparacás, e mais, Valdívia, Tuncauhuan, Chimu, Wari, Tiwanaku, Moche e tantos outros. E muitas coisas trazem semelhanças entre as dúvidas e as que tinham  estes povos que, a rigor, devem ter a mesma origem - caçadores  asiáticos que vieram parar por estes lugares. Há  por exemplo, tipos diferentes de “Botella” – lê-se botejas, e fazendo uma tradução pobre, para começo de compreensão, podemos dizer que seriam tipos de garrafas ou moringas -,  cada povo produziu os seus tipos, a seu estilo. E há também os incensários, sofisticados, como eram também vários destes povos, com se pode  ver pela beleza do que produziram.

A MULHER GRÁVIDA: Uma das imagens muito comuns entre muitas destas culturas precolombinas há  a da mulher grávida, ou “Mujer Embarazada”. Provavelmente esta é uma questão, a gravidez, que pedia melhores explicações, além das disponíveis naquele período da história de nossos ancestrais ( será que depois de  excluído do histórico pré-colombino posso ainda assim considerar-me herdeiro desta gente? ). É interessante também que  trazida para o português, a língua portuguesa, a palavra “embarazada” parece  outra, “embaraçada”, que dá clareza a um embaraço que provavelmente estes povos viveram na tentativa de compreender  a reprodução humana.
         Trabalhos em tecidos, de algodão e muito coloridos,  vasos, uma cerâmica muito variada, máscaras e detalhes de traços que fazem lembrar a cultura grega. Tudo isso pode ser apreciado no museu, que tem uma iluminação que ressalta as peças e faz do lugar uma beleza diferente, em tom amarronzado em degradê com o amarelo da luz do lugar e muitas sombras. Interessante também saber que  a arte não era produzida em momentos de ócio, mas, pelo contrário, ao que tudo indica, a arte era resultado da produção diária destes povos em busca da sobrevivência e da organização do mundo pouco conhecido.

BASQUETE E E PODER: A cultura  Vera Cruz reproduz, em sua cerâmica entre os anos 300 e 900 DC, uma figura que parece estranha, um homem vestido como um guerreiro que é na verdade um atleta. Mas faz sentido vê-lo como guerreiro. As disputas de poder se resolviam no campo da disputa, entre os “jogadores de pelota”. O jogo tinha origem Azteca e seu sentido era  político e religioso para o império, há mais de  2.500 anos, na América Central. Poderia muito bem se reinvindicar para este jogo a condição de precursor do basquetebol: um aro era colocado no campo de jogo, por onde deveria passar uma pelota, provavelmente de pedra, atirada pelos competidores com o uso do ante-braço.
         Tal jogo foi atividade tradicional para  Aztecas, Zapotecas, mayas e Olmecas.  Resolviam através deles os conflitos políticos, a disputa entre os deuses, e a vitória no jogo resolvia a questão. O fim de cada disputa se dava com a morte  dos perdedores. Daí que ainda tinha caráter muito semelhante à guerra, com alguma diferença pelo envolvimento de risco para um número menor de pessoas. Ao invés de arriscar populações inteiras em disputas, se arriscavam os jogadores de pelota em equipes menores. Sempre penso, e esta passagem me dá razão, que o esporte é uma espécie de sublimação da guerra.

IMPÉRIO INCA: A cerâmica vai mesmo contando estória e uma das mais interessantes aparece nas peças que preservam  explicitamente as marcas de  pelo menos duas culturas.  Isso significou um tipo de expansionismo, como no caso do império Inca, por exemplo, que realizou guerras cruentas para crescer mas isso não significou o extermínio das culturas locais.
         O Norte e o Centro da região  em que hoje está o Chile foram anexados ao império Inca  ao final do século, mas mesmo com a ocupação foram encontrados utensílios com mistura da cultura Inca com a local. Trata-se de um acontecimento que aparece em toda cultura Inca, o que mostra que não era um acontecimento esporádico, mas, pelo contrário, tratava-se de parte da política de dominação, com integração dos dominadores com a cultura dos dominados.

DE PALÁCIO A MUSEU
         Inaugurado em 10 de dezembro de 1981, o Museu Chileno de Arte Precolombino foi em 1955 concedido ao primeiro corregedor de Santiago, Juan de Cuevas, que fez dele sua habitação. Depois a construção serviu à Companhia de Jesus, já em 1635. Depois entre 1805 e 1807 acontece a construção do Palácio de “La Real Aduana” no local, em estilo neoclássico, projetado pelo arquiteto italiano Joaquín Toesca. Depois da Independência o prédio foi Biblioteca Nacional , em 1823, e a partir de  1845 passa a funcionar como tribunal de Justiça, até 1968, quando um grande incêndio destrói as instalações e os arquivos.
         Em 1979 o prédio foi transferido para a jurisdição municipal, quando começa o processo de restauração do lugar mediante sucessivas obras.  Hoje o palácio está reconstruído e totalmente ocupado, e todas as suas instalações estão destinadas ao uso do Museu Chileno de Arte precolombiana. Vale mesmo à pena: as cerâmicas, tecidos, e utensílios contam a história lá dentro do Museu, enquanto as paredes, a vista, o estilo da arquitetura, contam mais histórias do lado de fora. É ir e ver.

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