terça-feira, 19 de julho de 2011

Gerúndio também pode

Vejam só. Estou lendo um edital de propaganda do Governo da Paraíba e está lá uma velha questão, no briefing de uma campanha a ser criada para uma concorrência pública: o Governo pede para que se evite o uso do gerúndio. Em publicidade, sempre se propagou o uso do gerúndio como um impropério e, atualmente, há em curso no país uma luta insana contra o que se batizou de gerundismo. Eu – que, há dez anos, tenho acompanhado com mais atenção o uso do gerúndio na propaganda de Governos – fico horrorizado com essa tentativa tão ascética de limpeza da língua. Fica parecendo que temos algum controle sobre isso.
Na gestão do Prefeito Pedro Wilson, em Goiânia, se usou o slogan “Você fazendo parte”, que me chamou a atenção pela clareza da informação e pela continuidade que o gerúndio nela presente indicava. Depois, tive acesso às pesquisas qualitativas sobre aquela gestão, que mostraram a aprovação da população para a marca e para o slogan. Pude presenciar, em outros momentos, a mesma ocorrência: em Palmas, a Prefeitura realizava uma boa gestão, mas não fazia uma boa comunicação, tinha baixa aprovação popular e a população achava que ela trabalhava, que fazia a sua parte, e a Prefeitura, não. Era o que indicavam as pesquisas. Fizemos um trabalho de prestação de contas das ações e criamos um slogan que ia direto à questão: “Prefeitura de Palmas, trabalhando para você”.
Dois anos mais tarde, andando no metrô de São Paulo, vejo cartazes do Governo do Estado com o seguinte mote: “Trabalhando por você”. Pensei: não estou tão só assim em minhas convicções. Meu pai, seu Geraldo Faria, professor de Português, ainda me disse: “‘Para você é melhor. ‘Por você’ parece que um está fazendo a parte do outro”. Em Minas Gerais também encontrei a equipe do então governador Aécio Neves “cometendo o crime dos crimes com o slogan “Construindo um novo tempo”.
Admito que o gerúndio se tornou uma parte chata do dia a dia. Os call centers nos amolam todo o tempo com a fraude de um “estarei encaminhando sua solicitação dentro de alguns minutos”, ou algo assim. Por que será então que a moça do call center não fala simplesmente “encaminharei a sua solicitação” ou “vou encaminhar”? Desconfio que seja por retórica, para aproveitar, mesmo que forçando a barra com uma expressão tão comprida, o que o gerúndio tem de melhor, a ideia de uma ação em andamento. É como se a moça do call center já estivesse fazendo o que ela ainda vai fazer – se fizer.
O gerúndio continua tendo no mundo da língua a sua função, de indicar uma ação acontecendo, e desempenha um ótimo papel, dependendo das circunstâncias, na propaganda de Governo que tem que mostrar trabalho, movimento, ação. O ex-governador do Distrito Federal, José Roberto Arruda, criou uma lei, o Decreto nº 28.314, com os seguintes artigos: Art. 1o. Fica demitido o gerúndio de todos os órgãos e do Governo do Distrito Federal. Art.2o. Fica proibido, a partir desta data, o uso do gerúndio para desculpa de ineficiência. Vejam só, Arruda foi cassado por improbidade e não conseguiu acabar com a ineficiência proibindo o gerúndio. A questão era outra.
Por fim, encontro o professor José Augusto de Carvalho, no site conhecimentopratico.com.br, fazendo a discussão do assunto com outro olhar. Vejam o que ele diz: “Em lugar de ensinar os funcionários a usar o gerúndio, resolve-se o problema banindo-o da língua, como se a língua tivesse um só dono…”. A língua, é o que vejo, a rigor, não tem dono. Se faz no dia-a-dia. E de meu pai ainda ouvi mais isso: “A língua é viva. Se o uso se consolida entre as pessoas, todos vão ter que incorporar até mesmo o que for considerado como o modo errado hoje, considerar como língua padrão.”
E eu, que já aprendi mais algumas coisas na vida – depois de velho aprendi a aprender – digo que a língua é uma produção que cria o mundo humano, ela não está sob nosso domínio, não se altera por decreto. Como parte dela, o gerúndio não está aí para ser banido de maneira obsessiva, como se isso fosse possível, e como se a questão não fosse sempre o desejo de quem faz o uso da língua.

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